quinta-feira, 17 de maio de 2012

Memória, esquecimento e perdão


A presidente (a) Dilma Rousseff demonstra grandeza e dignidade no discurso e na postura com que justifica a instalação da Comissão da Verdade. Num tom conciliador, mas instigante, ela amplia o senso de autoridade e de estadista ao realçar o direito dos cidadãos brasileiros conhecerem o passado nem tão recente. Ao contrário dos militares da reserva, que afirmam ser a comissão tendenciosa ou revanchista, as entrevistas dos integrantes nomeados publicadas nos jornais indicam a necessidade de o País criar uma carapaça jurídica e política contra os abusos de poder e do arbítrio de servidores do Estado, à época , que violaram todos os direitos daqueles presos sem direito a julgamento.

Olhar para o futuro do país, implica em não repetir esse passado; e construir uma cultura democrática, na qual os interesses conflitantes não deságuem para o enfrentamento violento.


Alguns militares da reserva, entre eles o deputado Bolsonaro, porta-voz das viúvas de 64, afirmam que a verdade somente será conhecida se, na comissão, participarem também representantes das Forças Armadas. Retórica, a demanda dos militares da reserva ajuda a revelar uma profunda contradição: durante o regime militar, o poder das forças armadas na caça aos inimigos do regime combinado com o poder político do Executivo e das forças policiais nos Estados constituíram um aparato repressivo formidável, que eliminou a guerrilha e os grupos de oposição de esquerda, entre eles os que defendiam o uso de armas e os que eram contra, como o jornalista Vladimir Herzog. Ou seja, com toda a força a seu favor, com a censura e uma lei de segurança nacional, o regime impôs a verdade à época. O monólogo do regime militar serviu à retórica e à propaganda para caçar, julgar sumariamente e executar inúmeros opositores mediante o emprego, também, da tortura. Curioso, agora, reclamarem não terem a chance de dizer a própria "verdade", que, no fundo, é ideológica apenas.

Assim, arbitrariamente, abusaram do poder que o Estado lhes conferia.

A lei da Anistia apregoa o esquecimento; mas não há perdão sem conhecer a verdade.


Acesso à informação

A publicação da lei que assegura o acesso à informação pública, produzida pelos agentes e poderes do Estado, na mesma ocasião em que é instalada a Comissão da Verdade, é um passo estratégico para arejar a Administração Pública brasileira e oferecer uma nova cultura aos servidores públicos. 

Predomina a cultura do silêncio, da confidencialidade e do segredo burocrático no aparato estatal. Abrigados pela segura estabilidade, o funcionário público ainda é herdeiro dos regimes autoritários no País, ao longo da história. Obter informações de interesse público, portanto da cidadania, é um calvário. Atrás dessa resistência, a indigência do sistema burocrático, que se consolidou como fim em si mesmo e não como meio para prestar serviço à sociedade.

Assimetria

Quero acrescentar que a relação de forças era totalmente favorável, assimetricamente, para  o aparato repressivo. O regime usou da lei e do Judiciário para denunciar, condenar e prender inúmeros opositores do regime. Ou seja, instituíram uma Justiça excepcional, a qual negava o direito dos presos em se comunicar com seus advogados durante dias. E, também, o direito ao habeas-corpus. A tese de que o regime se encontrava em "guerra" contra os denominados "terroristas" era ideológica e propagandística, à medida que os militares e policiais, muitas vezes com a ajuda de empresários (até mesmo a Folha da Manhã cedeu vans para policiais do Dops na caça e prisão dos ditos subversivos; também o grupo Ultragás, do dinamarques Henning Boilesen - justiçado pela esquerda armada - veja aqui o documentário: http://www.youtube.com/watch?v=G-QSD-vU38k) afirmavam que o cenário de exceção se justificava pela poderosa ameaça da esquerda. É claro que o clima da guerra fria tomava conta dos embates na América Latina, insuflada pelos EUA a manter diversas ditaduras. É fato: a tortura é crime contra a humanidade, conceito reconhecido pela ONU. E o uso sistemático da tortura e da negação dos direitos mínimos eram combinações destinadas a provocar o desaparecimento e a morte de inúmeros jovens adeptos da luta armada. Em poucos anos, em torno de cinco, o regime militar eliminou os focos revolucionários ou guerrilheiros. O lado do regime, poucas foram as vítimas, hoje, contadas nos dedos das mãos, em contraste com as mais de 3.000 vítimas do governo militar. Entendo que, hoje, as Forças Armadas têm um papel fundamental na defesa da soberania do País, e não guardo preconceito contra os militares, os quais muito contribuem para assegurar a proteção do território nacional e para o desenvolvimento de tecnologias diversas. Mas, esse passado precisa, sim, ser passado a limpo. Outro assunto que merece atenção é o período e as razões do golpe de 64.