sexta-feira, 3 de julho de 2015

Banalidades

Quase diálogo

- Você precisa acertar a conta.

- Como? Não tenho dinheiro, agora.
- Mas, tem de arrumar.
- É ... preciso, mesmo. Mas, como? O que eu ganho paga as contas e sobra vontade para pagar o restante.
- Mas, você precisa acertar. Não tem como.
- Só se eu vender o que resta. O velho Gol. E algumas bugigangas.
- Então !!
- Não vai adiantar muito. Fico sem o carro. E como vou trabalhar? Dependo dele.
- Sempre se arruma.
- (Acho que vou dar uma muqueta nesse cara. Qualquer resposta é uma decisão. Ele quer ditar como eu devo conduzir minha vida. Que saco !!)
- (Esse cara não sabe de nada. Que ignorante ! Tem de pagar as contas. Ora, não as fez??)
- É, vou dar um jeito. Obrigado pela atenção.
- Que nada, disponha.


Quase outro diálogo

- Porra, nunca vi o País nessa merda.
- Ora, e quando esteve fora da merda?
- É, mas, agora, fedeu muito mais.
- Acho que já estivemos em situações piores. Lembro-me do período final do regime militar. Uma bosta. Desemprego, dívida e falta de esperança.
- É ...
- E, depois, no governo Collor. Fodeu a poupança. Ficamos sem grana alguma. Ele botou aquela tal de Zélia que não sabia nem o que estava fazendo lá. Só sabia do Bernado.
-  Nem me lembro disso. Prá mim, o que importa é agora. Meu salário não dá prá pagar as contas do mês. E eu cheguei a viajar três anos seguidos para a Argentina ...
- E comprou muita tranqueira?
- É claro. Comprei roupa, vinhos, alfajores. Hoje, não consigo completar o tanque de combustível.
- E os filhos?
- Estão bem. O mais novo, estudando. A mais velha, na faculdade e já tem um emprego. Ganha pouco, mas paga as contas dela.
- Bem, pelo menos estão estudando.
- É, pelo menos ...


Um diálogo quase pobre

- Olá, Jorge. Tudo bem ?
- Bem, e você?
- Bem. Mas, não sei se está bem prá muitos por aí. A gente aqui, às dez da manhã, conversando no café !!
- É, se esses pobre se levantarem, não vai sobrar prá nós. A gente aqui, tomando café a essa hora.
- Orra, revolução, então ? Esse País não tem tradição revolucionária. Nunca teve um paredão.
- Já, sim, para quem tentou. Governo, no Brasil, sempre venceu.
- Concordo. Até a Gloriosa de 64 foi virginal. Não derramou sangue.
- É, o Carlos Lacerda disse que a Revolução de 64 foi como casamento entre franceses, sem sangue.
- Mas, foi um golpe. Apenas isso.
- Não sei ...
- Acho que a única tentativa de configurar uma ação revolucionária foi em 1930. Mas, mesmo assim, com a cordialidade brasileira.
- Como a jabuticaba, não ??


Um diálogo nada existencial

- Cara, não sei o que é a vida.
- E quem sabe? Nem os padres e pastores da vida.
- A vida é algo sem sentido. Essa ideia de que vamos morrer e depois nos encontramos no paraíso não entra na minha cabeça.
- Bem, tem teoria para tudo. E especulação também. E ilusão. Mas, há a fé.
- Quem sabe, a vida é viver sofrido no Brasil. Ou na África. Menos na Suécia.
- Ora, a vida não é uma questão territorial. Ou geográfica. É .. talvez seja uma questão política.
- Não sei, ... as religiões tentam dar sentido à vida.
- Sim, e muitas descambam em morte.
- Ora, você está fatalista, cético.
- Não sei, não. Mas, acho que a vida não tem fórmula.
- Também não consigo enxergar a vida numa fórmula. Ficaria tudo certinho. Sei, não ... ???







domingo, 17 de maio de 2015


De hoje a ontem

Merece atenção a entrevista do sociólogo Francisco de Oliveira, publicada hoje, domingo, 17 de maio, na Folha. O clima negativo que paira sobre a mídia e boa parte da sociedade brasileira é fruto do pathos que toma conta de uma etapa da construção de uma sociedade que quer ser democrática. A crise, porém, é passageira. Há profundas mudanças em curso na forma de vermos o Estado e os governos. Talvez enfrentemos a transição entre um povo cordial (Sérgio Buarque), o cunhadismo (Darcy Ribeiro) e uma nova sociedade amparada no direito isonômico. Apesar de convivermos num sistema ainda bastante hierárquico (Roberto da Matta) e autoritário, moldado ao longo de décadas de privilégios patrimoniais (Raymundo Faoro) de uma elite egoísta (Darcy Ribeiro). 


A mediocridade que predomina entre os governantes atuais pode ser um contraponto para despertar o que é latente na sociedade e que pode transformar o País. Isso não significa que há uma oposição para tanto. Os partidos não estão em crise. Estão falidos e não são mais opções a qualquer projeto transformador. Mesmo o PT, depois das vitoriosas campanhas, se moldou ao principal líder, Lula. E ingressou num estágio de dependência do carisma que, atualmente, sofre com a corrosão e o desgaste de inúmeras denúncias sobre os métodos adotados para governar. Sejam eles o de alianças com os partidos à direita e velhos adversários, sejam os critérios de financiamento do PT e das campanhas eleitorais, hoje, sob denúncias e acusações criminais.

A relação entre os sujeitos e os partidos políticos é dominada pelo oportunismo e pelo desejo da ascensão social. Despreza-se a exceção, pois aqueles que assumem um papel comprometido com a qualidade dos projetos partidários geralmente são minoritários nas deliberações. Os partidos foram transformados em canais de ambições pessoais. O Estado e suas referências são elementos de atração para não apenas a sobrevivência econômica, como também para um projeto de vida e de intimidade com o poder, esse afrodisíaco de que dizia Henry Kissinger. E é o mais forte deles, segundo o secretário norte-americano e um dos maiores estrategistas de política externa na segunda metade do século XX.

As mudanças desejadas, mas ainda muito mais subjetivas do que objetivadas em projetos consistentes, expressam majoritariamente o sentimento de indignação e frustração com os governantes plantonistas ou parlamentares vitalícios. E afloram em discursos agressivos, fragmentados e desconectados de um processo negociado de superação. Ou seja, a própria política como campo da negociação e da busca dos consensos (ver N. Bobbio) é desacreditada como um tipo de comportamento social alternativo à barbárie.

Um diálogo entre épocas


O período ante e pós Independência do Brasil, em 1822, é registrado pelos periódicos da época, grafados em linguagem agressiva e insultuosa, segundo Isabel Lustosa, numa obra imperdível, Insultos Impressos, na qual relata, como historiadora, os conteúdos dos nossos primeiros e rudimentares jornais. Mesmo D. Pedro I publicava artigos num desses periódicos, O Espelho, para atacar, até com palavrões, os adversários. 


Se pudermos traçar uma comparação de épocas, vivemos um período no qual os ataques agressivos e as posições defensivas, atemorizadas pelas denúncias diversas, são registradas no espaço cibernético das redes sociais, sites, blogs etc. A dimensão sensível e emocional que toma conta de tantos discursos e comportamentos nos dias de hoje pode ser conectada com o período da Independência, quando os humores afloraram em perseguições, condenações, exílios, tentativas revolucionárias e assassinatos, além de execuções. Hoje, porém, o avanço do sistema político, desde então, parece ajudar a conter o ânimo para incursões mais graves, pois, os meios para exteriorizar tantas insatisfações são mais eficientes e plurais.

Se naquele periódo, há mais de dois séculos, a imprensa, com a diminuta circulação (a média de tiragem de um semanário no Rio de Janeiro era de 200 exemplares), era o canal pelo qual fluíam as injúrias, também era o meio do registro das primeiras grandes ideias em torno da construção do País. Ou seja, a idiossincrasia dos conteúdos editoriais revelavam o conflito que alimentou decisões de governo somente estabilizadas no período pós-Regência, sob o Império de D. Pedro II. Durou até a República.

Assim, os insultos e as ofensas diversas encontradas nas plataformas digitais são fruto das polemizadas dúvidas que permeiam a esfera da cidadania numa sociedade que se vê, hoje, com mais profundidade e amplitude. E enxerga tantos desmandos, pecados e ilícitos, entre eles a corrupção no mundo governamental e eleitoral, como artifícios de si mesma. Ao se ver nua, talvez possa refletir sobre como romper com tantos abusos.

E a ineficiência administrativa combinada com a corrupção já eram alvos dos críticos da Regência. Hoje, são ainda duas profundas feridas cujos medicamentos experimentados pela sociedade não produziram efeito curativo. É um desafio político de proporções, que exige infinita paciência e vigoroso esforço intelectual. E novas gerações que reúnam a capacidade de ver e construir uma sociedade menos maculada pelas transgressões e pelo egoísmo que permeia o comportamento do político.