segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Nellie, da canção ao mundo real

A dúvida de Júlio Verne sobre o plano de Nellie Bly se desfez após os 72 dias nos quais ela viajou o mundo, sozinha. E em menos daqueles 80 previstos pelo ficcionista. Ela usou a imaginação para conhecer pessoalmente a experiência de uma viagem ao redor do planeta, numa volta que foi esquecida com o tempo. Verne se imortalizou como ficcionista. Bly, nem tanto, mas deixou um conjunto de obras jornalísticas que a fizeram uma das pioneiras na profissão. 

Em 14 de novembro de 1889, Nellie iniciou a viagem que seria a grande pauta transformada em uma série de reportagens e num livro que se encontra entre as obras mais destacadas do jornalismo no final do século XIX: Volta ao mundo em 72 dias. Júlio Verne havia publicado pela primeira vez a obra de título quase homônimo em 1873, 16 anos antes. O escritor francês, quando soube do plano de Nellie, em correr o mundo como jornalista apostou que ela não conseguiria.  


Elizabeth Jane Crochane Seaman adotou o pseudônimo de Nellie Bly, sugerido pelo editor do  Pittsburgh Dispatch, inspirado numa canção popular composta por um dos conhecidos à época, Stephen Foster, criador de um dos clássicos norte-americano, Oh! Susanna.


Depois de iniciar a carreira como jornalista no periódico de Pittsburgh,  Nellie foi contratada pelo inovador The New York World, do incansável Joseph Pulitzer. Foi então que ela encontrou o ambiente adequado para construir uma carreira centrada no jornalismo investigativo. E foi a primeira mulher a atuar como repórter em pautas até então impensáveis ou cumpridas somente por homens. 


No World, de Pulitzer, Nellie produziu a primeira grande reportagem investigativa, cujo método de trabalho era simples: viver a experiência como interna num sanatório para mulheres, no East River, New York. A reportagem assinalava a técnica e as estratégias de Nellie, que se disfarçava e imergia em mundos pouco conhecidos pelos leitores novaiorquinos. E assim denunciava o subterrâneo da sociedade.




Nellie Bly (1890)




A coragem de Nellie a fez modelo para o jornalismo predominantemente machista, patriarcal. Ela investiu em pautas políticas, dominada pelos homens, como quando viajou para o México, adotou os costumes locais e se fez mexicana para produzir as reportagens. A repercussão das publicações assustou o governo mexicano, que a expulsou do país.


Nellie chegou a falsear um roubo para ser presa e, então, denunciar as condições das prisões. Foi batizada pelos colegas como a "mãe dos jornalistas". Morreu aos 57 anos de idade, de pneumonia.


Para conhecer sobre a obra dessa repórter, acesse:


http://www.nellieblyonline.com/

sábado, 3 de setembro de 2016

A matrix da notícia robô

Os robôs vieram, se instalaram e começam a invadir as redações. Várias delas já usam máquinas algorítmicas para selecionar dados e informações a fim de transformá-los em notícias. Resultados simples de medições econômicas, índices de queda ou aumento das bolsas, resultados de jogos e até notificações de crimes podem ser tratados por robôs noticiosos. A questão é: eles vão substituir os jornalistas?

A pergunta tem recorrência no passado, desde quando as primeiras máquinas foram projetadas para o trabalho de produção que, antes, era feito pelo homem. Tanto a revolução industrial como as invenções das mídias de massa, como a fotografia, o cinema, o rádio, a televisão, geraram dúvidas sobre a substituição de diversas profissões. Mas, o que ocorreu foi a adaptação, a convergência, a adequação do homem às novidades tecnológicas.

O pesquisador e professor da USP, Luli Radfather, em artigo publicado na Folha de São Paulo, elaborou o seguinte desfecho: “Seja encarada como aliada ou inimiga, a tecnologia veio para ficar. Prodígio ou bastarda, ela é nossa filha que cresceu, ganhou identidade e demanda compreensão. Rejeitá-la faz tão pouco sentido quanto adorá-la incondicionalmente. É preciso tratá-la como adulta.”

Há, entretanto, um desafio de fundo filosófico e ético na relação entre os jornalistas, robôs e o mundo dos fatos. Miguel Rodrigo Alsina, pesquisador espanhol numa obra referencial, A Construção da Notícia, observa que o noticiário não resulta apenas da combinação de informações e dados selecionados de fontes, mas, sim, de um processo de interpretação da realidade. Para tanto, a dimensão subjetiva do jornalista se torna elemento essencial, decisivo, para a elaboração noticiosa.

A aplicação de algoritmos para identificar, selecionar e ordenar dados constitui a base para a formulação de um conjunto de informações inteligível na forma de notícia. Empresas nativas digitais, como a Google ou o Facebook oferecem ferramentas de apoio na produção informativa. O projeto traz alguns limites, contudo, pois os algoritmos apresentam uma estrutura linear ou encadeada enquanto que a percepção do humano é multissensível, não-linear e nem sempre programável por lógica. O diálogo entre essas duas dimensões é o maior desafio. E, mais grave, robô é carente da dimensão subjetiva.

Os robôs conseguem identificar os dados, reorganizá-los e transformá-los em frases informativas. Ou então, reúnem notícias já publicadas em diversos sites e as selecionam e reordenam, num processo de curadoria orientada para uma leitura de conteúdo previamente filtrado. Na Suécia, a consultoria especializada em educação digital, Hyper Island, utiliza sistemas de algoritmos para escrever notícias sobre resultados de disputas esportivas e atos criminosos. Mas, ainda não conseguem desenvolver reportagens nuançadas, cuja redação depende de um olhar crítico, orientado por uma honesta subjetividade. Também o inglês The Guardian e o norte-americano Los Angeles Times, entre outros, adotaram a plataforma algorítmica.

O desenvolvimento tecnológico implica em adaptações e adequações, bem como em aprendizados daqueles que são obrigados, direta ou indiretamente, a conviver com os novos aparatos e ferramentas. Os experimentos com redes neurais tentam aproximar-se dessa condição humana, como faz o Google com projetos para ensinar os robôs a sonhar. Ou a IBM com o projeto que modela o desenvolvimento de sinapses. A web 3.0, de caráter semântico, busca criar máquinas que entendam o significado de termos e símbolos diversos e assim superar a web 2.0 que se baseia em palavras-chaves. O avanço aplicado à robótica vai permitir ampliar a forma da produção de notícias, mas ainda dependente dos programadores, editores e das limitações determinadas pelos esquemas adotados.

A jornalista Adrienne Lafrance, da revista norte-americana The Atlantic, publicada em Boston há mais de 160 anos, decidiu operar uma plataforma robótica para ensiná-la a redigir notícias. Ela reuniu um conjunto de 532.519 palavras à disposição do teste. O objetivo era o de verificar a precisão e a qualidade dos textos produzidos com base nos algoritmos. Durante dois anos, o robô Adrienne produziu textos noticiosos. O resultado foi frustrante.  A estrutura narrativa deixou a desejar.

Adrienne Lafrance, em artigo publicado na página virtual da revista, afirmou: “Tornou-se claro rapidamente que meio milhão de palavras, ou cerca de 3 MB de texto, não foram suficientes para a rede neural aprender a língua da maneira que eu esperava.”

Artigo publicado na página 02, edição de 02 de setembro de 2016, do jornal Correio Popular, Campinas.




sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Para o que serve a Constituição?

Para o que serve a Constituição? 

O governo em exercício, hoje, anuncia mudanças estruturais no Estado. E o faz com a anuência passiva de uma mídia submetida à pressão e aos interesses privados de desespero pelo retorno do crescimento econômico em seu favor.

Temer, um pato manco, tenta sobreviver ao furacão que o envolve com uma batida no cravo e outra na ferradura, como diria o sábio caipira.

O martelo do cravo é o Henrique Meirelles, que anuncia medidas macro-econômicas milagrosas, mas submetidas ao sacrifício de quem sempre foi sacrificado, o trabalho e o desempregado. A ferradura, pela característica do conforto da pata, fica com os parlamentares no Congresso Nacional. Ali, a sinecura e a vantagem pessoal são as razões da sobrevivência parlamentar e eleitoral. 

Temer conhece o espírito desse universo. É o toma lá, dá cá. É o dando que se recebe, como já disse um filósofo das patranhas parlamentares. 

Aliás, na primeira vez que Temer disputou a presidência da Câmara dos deputados ofereceu o mundo e os fundos aos colegas. Ampliou significativamente as benesses, vantagens aos gabinetes. em 1997, quando disputou pela primeira vez a Presidência da Câmara, ofereceu uma série de vantagens aos eleitores, os deputados. triplicou as verbas de gabinete e as despesas com assessores. Ou seja, fez cortesia com o nosso dinheiro, o dos tributos.

Permissivo, ampliou a aceitação das demandas parlamentares nos mandatos seguintes. Incensado como Constitucionalista, não se intimidou em bater de um lado e do outro, numa estratégia atenta a Deus e ao Diabo.

Hoje, atende às demandas parlamentares de modo submisso, mas mantém Henrique Meirelles com o cajado das maldades com a proposta do controle fiscal e das despesas. De um lado, oferece, de outro, rejeita.

Henrique Meirelles convive com a esquizofrenia política. Temer é o centro da doença. Oferece os benefícios aos servidores e parlamentares e os sacrifícios aos trabalhadores e à classe média brasileira. Essa, aliás, divide-se entre os inconformados com os governos petistas e o governo em exercício, sem perceber o quanto a malandragem a agride. Pois, aceitar Cunha e Temer, sob a justificativa de que baniram o governo petista, é escolher entre o pior do pior.

Assim, caminha para reestruturar o Estado, sem considerar a consulta ao povo. 
Aliás, esse é um dos desafios mais graves no cenário atual. A Constituição Federal afirma, sim, afirma, E está lá, no artigo 1º: 

Parágrafo Único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Ora, qual é a prática dos governantes em consultar o povo, a fonte constitucional das leis no País?
Desde Fernando Henrique, passando por Lula e Dilma, nenhum deles consultou a população para avançar em reformas ou retrocessos governamentais. Somente uma iniciativa, o plebiscito sobre o porte de arma,iniciativa da Câmara dos Deputados, revelou a incompetência redacional dos autores numa decisão a qual revelou como o brasileiro desconfia do governo.

Agora, a crise política é tomada a fórceps pelo PMDB et caterva para tentar superar uma travessia desenhada por uma presidente, Dilma, que desprezou os corruptos políticos, muito diferente do seu criador, Lula, que sabia conversar com eles.



domingo, 22 de maio de 2016

A mula manca

O discurso dos financistas e economicistas (coloco nessa ordem) do governo (?) Temer é de uma razão anti-social. A aritmética do mais ou menos, da soma e da subtração, não passa de uma expressão reducionista sobre o buraco que é mais em baixo. Economia é uma ciência humana. Assim é categorizada pelo universo pensante. Portanto, é imprecisa. O raciocínio aritmético é apenas um meio e não um fim em si mesmo na disciplina Economia. Se for diferente, estabelecemos a razão arbitrária sobre a complexidade humana. Einstein dizia que era mais fácil quebrar o átomo (razão científica) do que o preconceito (problema moral). 

A equipe econômica do Temer está mais para a razão abstrata do que o mundo real da fome e dos escorchantes tributos. Seus integrantes são a elite do pensamento (?) econômico que desconhece o que é ficar na fila de um pronto socorro para ser (des) atendido pelo SUS (que dispõe de áreas exemplares, mas poucas). Buscar um equilíbrio entre a razão abstrata e a demanda social, sofrida, é uma equação para poucos. 

No Brasil, os modelos econômicos liberais (ou neo-liberais) são mais evidentes e difundidos do que os modelos sociais, desenvolvimentistas, alvos da exasperação capitalista, concentradora de renda e riqueza. O governo Temer não dialoga com a classe média e média baixa, predominante no universo social e político. Dialoga com a casta empresarial, financista. É ela quem vai definir os novos rumos do governo, pois sua sobreviência depende de um Estado permissivo, como foi conduzido por Lula nos dois mandatos. Apesar de ganhos desenvolvimentista nos últimos anos, com os programas sociais e alguma coisa mais, a soma é insuficiente para projetar uma sociedade mais igualitária e justa. 

A estrutura social é desigual, injusta e discriminatória. Romper com esse cenário é desafio para poucos que se importam com o sentimento humanitário.O pouco feito do governo petista é obscurecido pela pragmática coalizão fisiológica que configurou um governo refém da crise. Vale dizer: o PT é eficiente e necessário como oposição. Como governo, bateu no cravo e na ferradura. O resultado foi uma mula manca.

terça-feira, 3 de maio de 2016

Liberdade de Imprensa

Hoje, 3 de maio, conforme calendário da Unesco, comemora-se o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. A Assembleia Geral da Unesco declarou esta data para comemorar e difundir os direitos à informação, a liberdade de imprensa para publicar e assegurar o livre fluxo de informação como elementos fundamentais para as sociedades democráticas.
O conceito liberdade de imprensa nasceu na obra do escritor e poeta John Milton, Areopagítica, e projetava a ascensão de uma nova classe social, a burguesia, apoiada no indivíduo e na liberdade econômica em oposição aos regimes monárquicos absolutistas e no anacrônico mercantilismo.
No século XVII, Milton convivia, em Londres, com editores tipógrafos que imprimiam obras num sistema artesanal. A obra sempre era autoral, pois o conceito de empresa e de indústria ainda era rudimentar, praticamente desconhecido.
The mind is its own place and in itself, can mak a heaven of hell, a hell of heaven (John Milton).
Desde então, a liberdade de imprensa foi adotada como valor para justificar e legitimar a impressão de livros e periódicos destinados à disseminar ideias políticas, reformadoras e revolucionárias, sem qualquer tipo de censura.
Com o advento da industrialização, as empresas jornalísticas se apropriaram do termo para legitimar as práticas mercadológicas, num ambiente de liberdade econômica.
E,no século XX, as organizações midiáticas são incorporadas a monopólios industriais e financeiros e se tornam braços ideológicos e jornalísticos de seus interesses. Exemplo gritante é o do australiano Rupert Murdoch, que adquiriu diversos jornais ingleses, entre eles o News of the World, protagonista de uma dos maiores escândalos e crimes de imprensa na Inglaterra.
Na outra face do espectro, a organização Repórteres Sem Fronteira registra, em 2015, a morte de 63 jornalistas no exercício da profissão, mais 40 profissionais assassinados, além de 19 jornalistas-cidadãos mortos em situações que envolviam a liberdade de imprensa.
Hoje, a liberdade de imprensa ampara a ação de empresas midiáticas que transitam além da atividade jornalística e recorrem ao fundamento ético e legal para justificar abusos e processos monopolísticos que constribuem para a concentração de riqueza e de ameaçador poder para-estatal.

terça-feira, 26 de abril de 2016

A imprensa campineira

Livro organizado pelos professores Carlos Gilberto Roldão, Fabiano Ormaneze e Ivete do Carmo-Roldão, da Faculdade de Jornalismo da Puc-Campinas, aborda, em capítulos, fragmentos da história da imprensa em Campinas.

Lançada em 1º de março deste ano, a obra reúne 12 capítulos assinados por diversos professores, jornalistas e pesquisadores. Conta com o prefácio assinado pelo jornalista Zaiman de Brito Franco e o posfácio do professor e pesquisador José Marques de Melo.

 Impressa e distribuída pela Editora Setembro, a obra relata momentos relevantes dos principais jornais diários em Campinas. E destaca um dos primeiros diários editados e impressos por jornalistas negros numa cidade de cruel tradição escravocrata, mas berço da República.

Os autores navegam também pelo tradicional Diário do Povo e o concorrente direto, o Correio Popular, cujas redações formaram novas gerações de jornalistas que foram decisivos na modernização da imprensa local.

A breve experiência do Jornal de Hoje, que reuniu profissionais da estirpe de José Hamilton Ribeiro, de João Batista Olivi, Nelson Homem de Mello, Moacir Longo, Caio Blinder, entre outros, cuja trajetória brevíssima resultou numa morte melancólica. 

As sucursais de O Estado de São Paulo e Gazeta Mercantil, além do caderno Sudeste, numa experiência de regionalização da Folha de São Paulo, são temas de outros capítulos que ajudam a compor o ambiente campineiro de competição por furos e originalidade.

Além das grandes marcas, também o Jornal de Domingo, que sobreviveu entre 1972 a 1993, enraizou em Campinas a publicação de distribuição gratuíta, semana, comum conteúdo voltado ao lazer, entretenimento, moda etc. Assim, fazia um contraponto aos jornais tradicionais e suas pautas sobre cidades, política, economica, esportes.

Os novatos Notícia Já, de circulação paga, Metro e Destak, de circulação gratuítas, encaixados no modelo de jornalismo popular, são protagonistas de dois capítulos, os quais expõem uma importante tendência do jornalismo contemporâneo.

E, como desfecho, um capítulo dedicado à participação da mulher no jornalismo campineiro, que, do predomínio de homens até meados da década de 1980, foi superado pela presença maciça das mulheres na reportagem, edição e cargos de chefia. 


sexta-feira, 22 de abril de 2016

O que é preciso?

O que é preciso?
O que não é preciso?
Chuvas de sol?
Sol incandescente e tormentoso?
Chuva e sol, sem nenhum espanhol, mas como muitos sírios.
Ainda sofro de política, num conflito devastador.
Lá, a guerra,
Aqui, a serra cega a cortar o que não pode ser cortado.
Lá, o Bashar a serrar patrícios.
Aqui, o cinismo dos idiotas
Que lavram a terra que não possuem.
Lá, as bombas que estilhaçam rostos, barrigas, pernas, corações e esperanças.
Aqui, os votos familiares que santificam irmãos, primos, pais, tios.
Menos as sogras.
Lá, distante.
Aqui, perto demais.
Vimos e ouvimos o amor à família;
A fé em Deus;
Tudo falso, cínico.
Tudo aos seus;
Tudo aos meus;
Tudo; pois, sem não é tudo;
E não se deve temer a cunha corrupta
Que renova a ilusão do voto.
Um voto sem peso, sem volume, sem metragem;
Um voto escarnecido, sombrio;
Um voto sem sol.


quarta-feira, 20 de abril de 2016

Mantra das facilidades


Em qualquer crise, o mantra "aumentar impostos" é tocado como se o mundo não encontrasse outra opção para corrigir as barbeiragens orçamentárias e a péssima gestão de qualquer governo. 

Economistas, muitas vezes, gestores, em outras vezes, e políticos, sempre, adotam o mantra quando se veem diante do excesso de gastos e da queda das receitas.

Para o estado, aumentar impostos em crise é o remédio. Mesmo que seja "temporário", palavra que perdeu todo o sentido desde o governo Sarney, com repetidas tentativas de implantar tributações provisórias.

Empresas (pessoas jurídicas) ou qualquer cidadão, quando a receita é desidratada por qualquer motivo, chegam a cortar na carne. E buscam alternativas para equilibrar o modo de vida com a economia. Com muito sacrifício, enfrentam a falta de recursos e de receita, pois não dispõem de poder para aumentá-la.

O estado brasileiro é caríssimo, dispendioso, perdulário.

Quando o PT assumiu a Presidência, o auditor Toninho Marmo Trevisan, em pesquisa feita um pouco antes sobre as receitas e destinações de verbas, constatou que cerca de 30% dos valores que chegam, via tributos, ao governo, são perdidos pela corrupção ou pela burrocracia, com gastos mal feitos.

Meses depois, preparou e lançou uma cartilha com dicas e recomendações sobre como conter a corrupção nas prefeituras do País. Veja o link: (http://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/a_pdf/corrupcao_prefeituras.pdf)
Desde então, a corrupção se tornou mais visível por força das iniciativas e ações do MP, da PF e do Poder Judiciário, amparados por novas leis e pelos princípios constitucionais. 

Não temos dados, todavia, se não aqueles encontrados nas ações judiciais, sobre a evolução ou a involução da prática corrupta entre os governantes. Mas, nos últimos tempos, o conjunto de medidas e dispositivos legais e administrativos expuseram sobremaneira as negociações subterrâneas entre partidos, empreiteiras e correlatas, empresas prestadoras de serviços a governos e governantes. 

Caso opte por aumentar impostos, seja o governo Dilma ou seu possível sucessor, Temer, o brasileiro estará, mais uma vez, diante de um ato extorsivo, abusivo, e até misericordioso em relação à vontade de praticar políticas tributárias que beiram à tirania. Isso porque, o sistema (??) tributário brasileiro é dos mais injustos, pois desequilibrado e estimulador da concentração de renda.

Medidas adotadas na crise enfrentada no segundo governo FHC ampliaram a carga tributária e tornaram mais injusto o sistema, na medida em que congelou a tabela de correções inflacionárias, aumentou as alíquotas, diminui as deduções e chegou conceder anistia fiscal a inúmeros devedores, conforme denúncia à época da Unafisco, entidade representativa dos servidores da Receita Federal. 

O governo petista, desde então, manteve tais medidas, com algumas poucas correções, como a correção da tabela inflacionária com valores menores do que a inflação do ano anterior (ano base).

Agora, o proto-governo Temer já ensaia balões para medir a reação popular sobre o anúncio de aumento dos tributos. E, talvez, já contando com o ovo no rabo da galinha, Henrique Meireles, possível ministro do governo Temer, aquele que ainda não começou, antecipa o caldeirão de maldades.

Ou seja, mais uma vez vão fazer cortesia com o dinheiro alheio:

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/04/1762551-brasil-pode-precisar-aumentar-impostos-diz-ex-presidente-do-bc.shtml

terça-feira, 12 de abril de 2016

Violência, política e o estado

Norberto Bobbio é um dos mais importantes pensadores sobre a política no século XX. Herdeiro de Max Weber, conhecedor das obras marxistas e de outros autores, Bobbio usou dos recursos da Filosofia, do Direito e da Ciência Social para narrar os fenômenos conflituosos intrínsecos ao universo da política. Apesar de não se considerar um filósofo, graduou-se na Universidade de Turim, Itália, e se especializou na Filosofia do Direito. Autor de uma riquíssima obra literária sobre Direito e Política, Bobbio era um severo e rigoroso crítico do bolchevismo. Conhecia os modelos totalitários e combateu o fascismo na Itália ao se aliar aos grupos liberais e socialistas. Construiu uma trajetória intelectual respeitadíssima e defendeu o modelo democrático como fundamento do Estado, de modo a conjugar as estruturas de mercado, e seu viés político liberal, com a as obrigações sociais num regime centrado nos direitos individuais, mas igualitários. Bobbio constatou que, na prática, a sociedade busca a convergência do socialismo com o individualismo, mas, o desafio seria definir o que deve ser comum e o que deve pertencer ao indivíduo.

No trecho abaixo, extraído da obra As Ideologias e o Poder em Crise (Editora UNB/Polis, 1988), Bobbio analisa o uso da violência como ferramental para a conquista do Estado como para a manutenção do poder governamental. A reflexão é bastante apropriada para o atual momento enfrentado pelos brasileiros:

"Que os grupos revolucionários justifiquem a própria violência considerando-a como uma resposta, a única resposta possível, à violência do Estado é mais que natural. Todo aquele que pôde refletir sobre a contínua presença da violência na história, não obstante a milenar e natural condenação de todas as religiões e de todas as éticas, sabe que o modo mais comum de justificar a própria violência é afirmar que ela é uma resposta, a única resposta possível em dadas circunstâncias, à violência alheia. E daí a máxima que vale em todos os ordenamentos, mesmo nos menos dispostos a tolerar a violência: vim vi repellere licet" ( é lícito repelir a força com a força).

A reflexão acima evidencia os históricos conflitos entre correntes sediciosas e governantes, nas mais diversas épocas e regiões. A violência, nesse caso, sempre foi a razão motivadora da ação para enfrentar o Estado ou para o Estado enfrentar a oposição que o ameaça.

"De resto, este mesmo argumento é usado pelo Estado para justificar o uso da própria violência, da chamada violência institucionalizada frente à violência revolucionária. É claro que a justificação da violência pela violência pressupõe que, das duas violências em oposição, uma seja originária e, portanto, injustificada. Não creio ser nada excepcional a observação de que a violência originária e injustificada, entre dois contendentes, é sempre a do outro. Qualquer pessoa que tenha assistido a uma discussão sabe que cada um se defende acusando o outro de ter começado. Como consequência, todo ato de violência é ao mesmo tempo justificado por quem pratica e condenado por quem o sofre."

Assim, o método violento se anula como recurso, mesmo diante da vitória de uma das partes. E a violência não ocorre de modo precipitado; é construída gradualmente na medida em que as partes em oposição acirram e elaboram, num primeiro momento, um discurso agressivo de desqualificação moral e política do adversário. Em seguida, movimentos invadem e disputam espaços e enfrentam os grupos adversários em atos de exacerbada expressão agressiva. Aí são construídos vários níveis de violência, sob a justificativa de que o outro, o adversário, é o fator causal.

No Brasil, o uso da violência evidenciou historicamente o Estado vitorioso em vários conflitos. Desde o período da Independência, quando José Bonifácio ajustou, sob o atento olhar do Imperador D. Pedro I, a repressão aplicada aos movimentos separatistas ou sediciosos, muitos foram sacrificados. Mais tarde, outros exemplos, como o movimento Tenentista, a Intentona Comunista e, também, o movimento que desaguou no golpe militar de 1964, as tentativas da esquerda em usar armas para enfrentar o Estado resultou em tragédias. E os governos brasileiros demonstraram toda a crueldade possível da tortura no combate aos "inimigos internos".

Agora, minoritários segmentos socialistas, de tom revolucionário, denunciam a repressão dos governos ao mesmo tempo em que propagam a derrubada ou a eliminação das correntes liberais ou autoritárias à direita. Esta, em grupos minoritários e inexpressivos, também apela para o uso de armas para combater as outras armas.

Esse cenário é propício para alimentar o ovo da serpente. Mesmo porque, a violência é um recurso de negação da democracia. Seja utilizada pelo lado que for. E a sociedade brasileira dá exemplos periódicos sobre como sempre usou a violência para as mais diferentes situações, desde os conflitos raciais até as disputas sócio-econômicas. É só lembrar que o regime escravocrata foi um dos mais cruéis e longevos na América e dele herdamos a trágica relação entre a elite e as classes sócio-econômicas mais frágeis. 

Para conhecer o pensamento e a produção intelectual de N. Bobbio, uma sugestão:

BOBBIO, N. Teoria Geral da Política - a Filosofia Política e as Lições dos Clássicos (organizado por M. Bovero). Rio de Janeiro: Campus, 2000.

sábado, 23 de janeiro de 2016

O que somos?

Ouvido nas esquinas por aí:

- O governo Dilma fracassou estrondosamente. Não tem mais credibilidade alguma.
- Num sei, não. Ela parece que nem percebeu que fracassou. Dá de ombros. Tem cara de aluada.
- Aluada?? De onde você tirou isso?
- Ora, que está no mundo da lua. Aluada.
- Nunca ouvi essa palavra. A Dilma nos ferrou. Nunca vi uma crise como essa. Mesmo nas anteriores havia um pouco de perspectiva para melhorar. Hoje, nem isso vemos.
- Sei. Não pude fazer feira esta semana. O dinheiro não foi o bastante. Dependo do salário desemprego.
- Viu só. Estamos no fundo do poço. E não tem quem nos tire daí.
- Num liga, não. O Brasil sempre foi assim. Desde quando mandavam o açúcar, ouro e prata prá Portugal. E um pixuleco ficava com os donos das capitanias.
- É, temos know how.