sábado, 15 de março de 2014

Crise, ora a crise!

Crise, qual crise? A palavra parece nunca ter tido o sucesso que encontrou nos últimos tempos. Desde a década de 1980, com a queda da bipolaridade entre União Soviética e Aliados ocidentais, com a ascensão do pensamento neoliberal e do prenúncio das crises financeiras globais e a chegada decisiva da tecnologia digital, o mundo passa a se expressar em crise. Na cronologia de uma dramática história que se desenhava na mudança do milênio, o atentado contra as torres gêmeas em Nova Iorque estabeleceu um ponto de inflexão sobre um novo cenário dicotômico, o conflito entre Ocidente e Oriente, entre o mundo cristão civilizado e o mundo muçulmano também civilizado, mas portador de agentes radicais protagonistas do projeto do califado.

A tecnologia digital e a arquitetura de rede determinam um outro mundo, calcado no exponencial armazenamento de informações e documentos diversos, com a disposição para acesso permanente e global. Tudo pode ser lido, visto e ouvido. Tudo pode ser produzido conforme a expressão de cada um, de cada organização, de cada governo. Qualquer sujeito é fonte e audiência; qualquer sujeito informa e argumenta. A horizontalização do mundo congrega perspectivas planas, múltiplas, porém.

Se crise é a palavra que pretende, quando usada, designar a transição dramática entre um mundo e outro, entre um ecossistema e outro, entre uma cultura analógica e a digital, sua aplicação não basta para revelar ou mesmo indicar os tortuosos caminhos propostos desde então.

Robôs, inteligência artificial, manipulação genética, computador quântico, entre outros, são fatos e objetos reais, fruto de um processo científico cuja expansão e densidade ocorrem a partir da pós-modernidade, expressão que pretende designar um período cuja gênese se fixa ao longo do século XIX. É a era das incertezas, das frustrantes dúvidas sobre a incapacidade humana em dar resposta estáveis aos grandes conflitos confeccionados pelos interesses múltiplos de inúmeras sociedades que se tornaram repositórios da exposição subjetiva e não mais objetiva das ações humanas. Agora, é o indivíduo o elemento central de um mundo que ainda não havia entendido adequadamente a objetividade. Ambas, objetividade e subjetividade, se fundem numa única expressão paradoxal, inevitável, delineada pela linguagem e pelo campo da experiência vivenciada pelo sujeito. 

Os grandes modelos ideológicos soçobraram nesse mundo no qual a certeza é superada pela instabilidade permanente dos conflitos. O universo microssocial, das expressões individuais, é projetado pela determinação em enfrentar os sistemas de poder tradicionais.

Não mais um mundo novo; apenas um mundo duvidoso.