segunda-feira, 14 de julho de 2014

Campinas, o visível e o invisível

Você sabe melhor do que ninguém, sábio Kublai (Khan), 
que jamais se deve confundir uma cidade 
com o discurso que a descreve
(As cidades invisíveis, de Ítalo Calvino)

Campinas, visível aniversário. Prestar homenagem aos méritos de Campinas pode virar até clichê, lugar comum. A cidade tem uma história profunda, densa, ampla, universal como nos contos clássicos. É fácil falar sobre as virtudes de um lugar marcado pela presença nativa de inúmeras personalidades. Carlos Gomes, o maestro que rege boa parte dessa história, é protagonista de uma trajetória que hoje abriga escolas de músicas e músicos que honram o autor de O Guarani. 

Por aqui passaram também tantas celebridades. Da arte, da literatura, da ciência, do cinema, enfim, das mais variadas atividades e especialidades humanas que sustentam a civilização. Mas, Campinas tem lados invisíveis aos primeiros olhos. 

Ainda expostas pela história, a escravidão crudelíssima, a peste amarela, o assassinato de um prefeito, caso até hoje obscuro, a expansão a criminalidade, a ambição de incorporadores insensíveis, a permissividade de tantos políticos preocupados com o próprio bolso e sobrevivência eleitoral, a omissão de tantos e tantos. Há muito mais, mais ainda, fatos e episódios visíveis empurrados por tantas mãos ao esquecimento, numa censura perfilada pela relação de poder.

O discurso sobre Campinas parece se padronizar. Como os discursos às vésperas da Copa do Mundo, ocasião em que havia quase unanimidade da mídia em afirmar a vitória da Seleção Brasileira. Do mesmo jeito que vozes isoladas criticavam a escolha de Felipe Scolari para o cargo de técnico da equipe, são falas isoladas que procuram desconstruir o sentimento de ufanismo que brota nesta data.

Campinas é apaixonante. E como paixão, possui dores inenarráveis. Como as dos familiares de tanta gente assassinada em execuções cujos autores raramente são submetidos ao processo judicial. A mesma paixão revela o lado alegre de uma cidade que luta para ser melhor, estar à frente em relação aos índices de desenvolvimento humano, e à fraterna solidariedade. Aqui, são dezenas de instituições generosas que muito fazem para reduzir tanta carência humana. Seja ela espiritual, psicológica, psiquiátrica ou simplesmente saúde.

Campinas é rica. A renda per capita (dados de 2010) é de R$ 33,9 mil. O PIB é de R$ 36,7 bilhões. Maior que o orçamento de diversos Estados brasileiros. Com tais números, o município tem obrigação de registrar baixos índices de de analfabetismo (4,6% em 2009) e expectativa de vida, 76 anos. Invisível, porém, a esses dados monumentais está a injusta distribuição de renda. Basta um olhar mais atento para verificar os lados da cidade. São vários, mas podem ser resumidos. Do mais de um milhão de habitantes, cerca de 160 mil pertencem à classe A, que contrastam com mais de 20 mil famílias na extrema pobreza, segundo dados do Seade, 2012.

Há quem controle tal riqueza, que expressa a concentração de renda no País. Assim, Campinas pode ser rica, reluzente, orgulhosa, mas integra e ajuda a sustentar uma região estigmatizada pelos males típicos e históricos da terra tupiniquim.

Muito se lê sobre o desenvolvimento, o progresso de Campinas. Para uns poucos, isso é sintetizado por um aeroporto que, em razão das políticas sociais combinada com o bom desempenho econômico dos últimos anos, serve, hoje, às várias classes sociais. Era impensável na década de 1990, 1980, testemunhar o tanto de passageiros das classes C e D trafegando pelo honorável Aeroporto de Viracopos. Tráfego maior dos trabalhadores dessas classes sociais ocorre nas ruas e avenidas dos bairros além da Rodovia Anhanguera, num mundo referenciado pela região do Campo Grande. Ali, a vida é outra. Distante do Cambui, Taquaral, Guanabara, Flamboyant, entre outros. Ali, a vida é dura, limitada pelos baixo poder aquisitivo, com o predomínio de famílias esforçadas em conquistar um degrau a mais nas estatísticas sócio-econômicas.

Há, porém, poesia em Campinas. Houve um Guilherme de Almeida. Gestor de versos. Há tantos outros poetas invisíveis, dedicados. Distantes do mundo das celebridades. Pessoas simples. 

Visitar os pontos de encontro em Campinas é quase uma festa. Há gente sempre disposta a uma conversa, um papo enviesado, complexo, cabeça ou mesmo simples, recheado de piadas, de humor. Ou mesmo de tristeza, de acontecimentos doloridos. 

Mas acho que Campinas não é uma poesia. Podem escrever poesias sobre ela. Mas, penso que é mais uma narrativa. De sonhos, pesadelos, fatos e histórias nem tão admiráveis, até terríveis.

Enfim, Campinas faz aniversário. Esse símbolo é a insistente tentativa de humanizarmos tudo aquilo que nos dá um sentido à vida. E damos esse sentido a Campinas.

E aqui, uma narrativa em imagens de Campinas, num texto da Virgginia Laborão, para o G1 EPTV, sobre o projeto intitulado Entre os lapsos do tempo, produzido por Juliano Prado, com fotos (em timelapse) de Ricardo Dettmer. Obrigado Marcela Contrera.

http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/aniversario-de-campinas/2014/noticia/2014/07/video-em-timelapse-registra-cotidiano-de-campinas-em-198-mil-fotografias.html


quarta-feira, 9 de julho de 2014

Sete, o número da vergonha

Sete a um. 


Foi trágico, dolorido. Nem os alemães acreditavam. Depois do quinto gol, parece que diminuíram o ritmo, perplexos com o que faziam. A seleção era um time de várzea, daqueles que vão gradualmente se deparando com a própria incompetência. Jogadores de quilate não se entendiam, diante de um adversário mágico com a bola. O toque eficiente, a triangulação, a marcação impiedosa e um ataque letal envolveram os brasileiros. Colocaram a seleção na roda. Aí, a humilhação. 

Esse cenário, porém, é fruto do que ocorre com o futebol brasileiro. Com os esquemas nem sempre honestos, submetidos a uma CBF marcada pelos interesses paroquiais e personalistas. Não há mais formação de base. Os meninos que começam a apresentar alguma qualidade no futebol logo são transformados em produtos, mercadorias nas mãos de empresários cuja personalidade é profundamente contaminada pela astúcia para ganhar muito dinheiro em pouco tempo. E assim submetem os clubes. 

Talvez o jogo de ontem (08 de julho) tenha exposto dramaticamente a falência de um modelo de futebol que, apesar de rica história, está comprometido com o que de pior há no país. 

Mesmo comandada por dois especialistas, Felipão e Parreira, auxiliados pelo contundente bigode Murtosa, a seleção viu a si mesma pequena, frágil, reduzida a um jogo de bobinhos. Até os alemães se condoeram de nossa indigência no campo. 


Na torcida, o choro de crianças alimentadas pela esperança do melhor futebol do mundo, redundantemente incentivada pelo discurso midiático predominante, hegemônico. É o futebol de nossas dores e de nossas ilusórias alegrias.

E, no campo místico, o brasileiro, de fato, tem fré demais.