domingo, 18 de junho de 2017

Insultos, Macunaíma e as Jornadas de Junho

A pesquisadora e historiadora Isabel Lustosa lançou, pela Cia das Letras, em 2000, uma obra referencial sobre os periódicos impressos durante o período da Independência, 1822. O título "Insultos Impressos: a guerra dos jornalistas na Independência" detalha os perfis e as ideias em confronto num dos períodos mais sangrentos de nossa história, tanto antes como depois da proclamação. Políticos, intelectuais e os pioneiros jornalistas (chamados à época de publicistas, panfletários) se mesclavam naqueles periódicos, matrizes do jornalismo tupiniquim. 

O sentimento intolerante e ofensivo estava presente à época, na qual os traficantes e senhores de engenho conseguiam manter sob controle o regime econômico escravocrata, enquanto as publicações destilavam ofensas entre os vários segmentos ideológicos. E D. Pedro I, para assegurar o apoio dessa "elite", aceitou manter o regime escravocrata, mas tê-la como aliada para os novos tempos. Preocupada com os próprios interesses econômicos, os senhores de engenho e traficantes abandonaram D. Pedro I após sucessivas crises que culminaram com a renúncia ao trono em 1831. 

Havia entre os grupos em conflito, os que defendiam a subordinação do Brasil à Corte Lisboeta, os que queriam o regime monárquico absolutista sob a coroa de D. Pedro I, os que projetavam um regime monárquico constitucional e assim por diante. Era a crise.

Desde junho de 2013, há exatos quatro anos, quando tantos saíram às ruas motivados, inicialmente, por rejeitar o aumento das tarifas dos transportes coletivos, o ambiente das redes sociais, blogs e sites, canais de youtube, entre outros, registra a proliferação dos insultos digitais. 


Talvez, agora, estejamos na luta contra a senil cleptocracia que subordina o brasileiro a governantes antirrepublicanos e cinicamente democratas. 


Temer não tem a autoridade que D. Pedro I exalava para um grito da Independência. Nem chega próximo. 


A Independência era, em 1822, a palavra síntese que abrigava evidente sentimento idealista que movia o confronto, que acobertava, é claro, interesses menores, privados. Hoje, independência, com i minúsculo, se distribui em milhares de discursos sem parâmetros ou referências programáticas ou de um projeto para o País.


Penso que D. Pedro I foi nosso régio Macunaíma, o personagem de uma rapsódia que sintetizava o caráter de um povo, conforme Mário de Andrade. Foi o anti-herói sem caráter, mas reconstruído pela história como o herói que assinou o atestado de autonomia política para o Brasil.


Interessante que Macunaíma acusava, com densa ironia, o povo paulista de falar uma língua e escrever outra. Essa dupla personalidade está presente em tudo que se revela nos últimos tempos sobre as profundezas dos ambientes políticos, tais quais o porão do Jaburu, onde Temer e Joesley dançaram a valsa da cumplicidade e da traição. Temer et caterva falam uma coisa e escrevem outra.


Afirma-se que falta liderança política nos últimos tempos para conduzir o País rumo à estabilidade. Citam Lula como o último dos Macunaímas, dotado de uma personalidade marcada pela contradição típica de um governante ilhado em torno de pressões as mais diversas e conflitantes.


A corrupção, a propina, a ardilosidade criminosa acobertadas pelo manto governamental acusam a degeneração das práticas políticas à tragédia ainda inominada, tal qual o indizível nome das entidades malignas. À medida que as investigações avançam, o batizado dos mal feitos evidencia a profundidade infernal das negociatas simbolizadas em malas e cuecas. 

A leitura dessas duas obras, Insultos Impressos e Macunaíma, talvez nos ajude a aprofundar o diagnóstico sobre o nosso próprio caráter, distorcidamente lido como "cordial" por muitos, mas bem explicado por Sérgio Buarque de Holanda. 


Macunaíma é o afetuoso para com seu mundo, seu ego, mas é um feiticeiro a elaborar poções venenosas aos desafetos. 


E, hoje, o veneno digital transborda pelas redes. Como transbordava pelos periódicos impressos em 1822.

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Ética, mídia e poder

O Núcleo de Fé e Cultura, da Puc Campinas, promoveu em abril de 2016 o Colóquio Laudato Si', inspirado na encíclica do Papa Francisco, com o mesmo nome.

Participei do encontro no qual o debate se deu em torno da reflexão papal e dos graves problemas que desafiam a preservação do planeta e das riquezas ambientais.

Aqui, a sessão de abertura do colóquio, da qual participei com o tema Ética, Mídia e Poder:

https://www.youtube.com/watch?v=pjWJLuAn-po

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

A reforma picotada

Há algo estranho na ordem de votação das tais reformas pontuais (o ministro Eliseu Padilha disse que as reformas seriam sobre "tópicos") propostas pelo governo Temer. A última prevista seria a tributária. Primeiro a previdenciária, seguida da trabalhista. Por fim, a tributária e, como assinalou o Eliseu Padilha, também a política, como um ilusório oásis num deserto de boas intenções.

Nessa ordem querem ajustar as urgências, como o emprego e o discutível déficit previdenciário, para depois definirem o tamanho do estado e os mecanismos políticos. E vão tocar as "reformas pontuais" com a aceleração permitida por um congresso contaminado pelo fisiologismo, clientelismo e corrupção. E são os deputados e senadores gastões, sem preocupação com o dinheiro público, quem responderão pelos votos nas tais reformas picotadas. Para lembrar, no ano passado, os lídimos deputados gastaram cerca de R$ 200 milhões com verbas indenizatórias. Quase um quarto desse dinheiro foi destinado à propaganda.


A reforma tributária seria a mais estrutural de todas, no campo econômico. Definiria o limite da arrecadação frente ao PIB e, se for focada na produção e no equilíbrio da justiça tributária - o que não acredito -, estabeleceria o tamanho do Estado, o quanto os governos poderão arrecadar e gastar. Mas aí há um empecilho luciferiano: o números de servidores e benefícios incidentes sobre a remuneração de boa parte do segmento principesco estatal.

Ao pautar primeiro as reformas previdenciária e trabalhista, o governo Temer prioriza a responsabilidade dos trabalhadores e das classes menos favorecidas da população. Quando deixa a tributária lá para a frente, privilegia o estamento estatal, cioso das regalias remuneratórias e previdenciárias. Aliás, nesse quesito, até o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, assina artigo publicado n'O Estadão, edição de sábado, 4, para tratar da diferença do perfil dos militares em relação aos outros servidores no quesito previdência. Apesar do poder de fogo das Forças Armadas, argumento similar é encontrado entre servidores do Judiciário, da Receita etc.

Temer e companhia reafirmam, com toques de propaganda, a importância emergencial das reformas trabalhista e previdenciária para retomar o emprego e ajustar as contas do Estado no pagamento dos benefícios futuros. Sobre a tributária, quase nada ou pouco se sussurra. Da política, então, temos um indicativo, o Congresso quer aprovar projeto que retira do TSE o poder de punir os partidos pecadores, que não administram corretamente as contas eleitorais ou eleitoreiras.

Nessa pretensa lógica, há o indício de que, primeiro, o governo quer estancar o que classifica de gastos, onde pode e acha menos traumático para a sobrevivência política, ou seja, no segmento da população distante dos cargos públicos. Depois, então, adequar a reforma à economia que a sociedade faz para que o governo mantenha os atuais índices de arrecadação.

Aliás, no caminhar do andor (eita clichê esquecido), as reformas tributárias e políticas pouco dirão para a maioria da população. Mesmo que consigam avançar nessas discussões e votações, os congressistas as tratarão pelo enviesado interesse eleitoreiro e fisiológico, de modo a atender um governo manco na credibilidade.

Ah, sem esquecer que o governo petista poderia ter avançado na reforma tributária, política e previdenciária, mas encontrou várias justificativas para não fazê-lo. Entre elas, a resistência congressual; uma outra, a própria importância dos gastos com os servidores. Ou seja, o governo de coalização presidido pelo PT renunciou à liderança para enfrentar tais desafios. Enfim, essa ordem de discussão e votação das "reformas pontuais" é estratégia para o governo manter os elementos estruturais de privilégios intactos. As mudanças econômicas, como dizem no Planalto, são emergenciais. E reativas. Apenas isso.