segunda-feira, 24 de julho de 2023

A política sempre foi o campo das negociações dos mais variados interesses. E há bons e maus negociadores, bons e maus políticos, portanto. Negar ou se opor à ideia de que na política só há interesses e o toma-lá-dá-cá, é negar a própria condição humana. É negar que mesmo no ambiente familiar ou doméstico a negociação está presente. E nas negociações há quem se conduz de modo imoral ou ilegal. E há aqueles que se orientam por meios e finalidades legítimos. 

    Dizer que "detesta ou que não gosta da política" é aplicar a si mesmo a pecha de bárbaro. Pois, fora da ou oposta à política só a barbárie. 

    Reduzir a política ao ato de corrupção, como se fosse o único e exclusivo defeito, é desconhecer a condição humana e a si mesmo. Pois, a corrupção é humana e o ser humano é quem negocia na política.


Os jornalistas e a Política

Muitos colegas, jornalistas, precisam reciclar conhecimento e se atualizar quanto aos conceitos e fundamentos da política, da formação do Estado e sobre o Estado Democrático de Direito. O bom jornalismo exige um atributo fundamental, o didatismo, para tentar explicar fenômenos complexos. O cenário da indigência intelectual é agravado pela falta de sentido preciso das ideias abordadas em programas nos quais a opinião prevalece. Os últimos tempos posicionaram a política e os conflitos partidários ou ideológicos no centro das pautas jornalísticas. Mas, nesse cenário, raros são os profissionais que procuram entender e dar clareza ao que acontece por aí. Por exemplo, alguns jornalistas se esforçam artificiosamente para comparar  e estabelecer um equilíbrio simétrico (sob a pretensa imparcialidade) entre Bolsonaro e Lula, entre Lula e Bolsonaro. Soa até anedótica a tal "opinião", geralmente fragilizada pela ausência de um fundamento factual, a singularidade, a distinção dos atributos de cada objeto analisado. Agora, a palavra "golpe" toma conta dos comentários. Teve ou não teve golpe? Aí, mais uma vez a falta de didatismo conceitual para esclarecer o significado político de golpe, ou da ruptura constitucional geralmente provocada pelo uso da força, como ocorreu em março de 1964. 

    Outro aspecto necessário para a compreensão desses fenômenos ou fatos políticos é a dimensão entre a formalidade legal e a legitimidade. Nem sempre aquilo que é formal, legal, é legítimo. Castelo Branco assinou vários atos, formais, que careciam de legitimidade, mas foram aceitos gradualmente nos passos seguintes do regime militar. Agora, em 2016, houve formalidade, com amparo do Supremo Tribunal Federal, na decisão sobre a perda de mandato da presidente. Mas, o que se discute é a origem legítima do impeachment. Foi manobra política provocada por vários fatores, mas escolheram, sob a razão da formalidade, as tais "pedaladas fiscais", algo menor diante dos graves desafios à época. Enfim, tratar questões complexas por meio de clichês e lugares comuns da política só faz o empobrecimento do jornalismo. Penso ser muito estranho alguns colegas justificarem o comentário ou a opinião simplória por causa do grau de compreensão da audiência ou do público. Ou seja, usar do linguajar empobrecido, pois creem ser mais eficiente. Ora, essa atitude é menosprezar e humilhar o jornalismo. É destituir o didatismo da comunicação jornalística. O jornalista tem um desafio enorme e necessário de se reciclar e se atualizar para entender a complexidade do mundo, para, então, poder comunicá-lo. Caso contrário, está nivelando a linguagem aos clichês tão queridos pelos que evitam pensar.

As big techs mineradoras de dados

 Até o início desse milênio, as multinacionais ou transnacionais eram as corporações empresariais que dominavam o sistema capitalista em nível planetário. Os governos eram reféns de várias delas, em especial da indústria das armas, aliadas das forças armadas em todo o continente. Hoje, as big techs ocupam um lugar exponencial na condução dos sistemas políticos e econômicos. Em duas décadas, essas organizações sustentadas pela www passaram a controlar e a condicionar o comportamento de consumo e o de organização social. Claro, o sistema político, sempre reativo, sucumbiu, com alguns segmentos críticos, minoritários, incapazes de, por enquanto, enfrentar o leviatã digital. Um indicativo desse poder é o lucro líquido, isso mesmo, líquido, do Google em 2022: US$ 59,9 bilhões. Isso representa cerca de R$ 300 bilhões, ou algo em torno de 17% da receita líquida prevista no orçamento deste ano para o governo federal. Ou seja, o poder econômico das bigtechs é inquestionável. Nas negociações sobre a votação do PL das fakenews, PL 2630/2020, a pressão sobre os parlamentares foi incontestável. A bancada evangélica foi a mais seduzida e, creio, por vários gestos de boa vontade, como é corriqueiro nos bastidores dos grandes negócios. 

    Um dos procedimentos estratégicos das big techs é o de estimular o comportamento repetitivo nas redes sociais. O usuário fica hipnotizado num looping interminável ao correr os dedos (digitus) sobre a tela do celular. A técnica é a dominação, pois sujeita o cérebro ao "prazer" instantâneo diante dos conteúdos de entretenimento, como o tiktok, reels, entre outros. 

    A combinação do poder econômico (além do google, há a amazon, a meta, entre tantos outros de menor poder) com o condicionamento comportamental resulta num cenário distópico, aparentemente normalizado pela rotina do uso dos celulares, por exemplo.

    Ao retirar o PL sobre a regulamentação das redes, Arthur Lira reagiu a dois fatores: o descontetamento de parte dos deputados com o governo atual e a pressão das big techs e segmentos da extrema-direita contra qualquer tipo de regulamentação. A alegação de que o PL é uma forma de censura é infantil, sofrível.

    Isso porque, a comunicação social sempre foi regulamentada. Mesmo nos países mais democráticos, como os EUA, Inglaterra, Canadá, Japão, entre outros. E a regulamentação procura exatamente esstabelecer um limite entre a livre expressão e a ofensa e o dano moral e social. Não há censura, prévia, mas sim a posterior. Ou seja, se alguém infringir a lei, a regulamentação, responderá pela ofensa praticada. Essa é a lógica da legislação brasileira num sistema democrático.

    As bigtechs pretendem, no Brasil, e, talvez, em outros países da América Latina, a ausência total de limites legais para a expressão dos conteúdos postados e disseminados. Baseiam-se numa corrente libertária que acredita num natural equilíbrio sistêmico do organismo social à medida que todos podem travar suas lutas expressivas, sem qualquer restrição, e atingir um uma justa relação entra as partes opositoras ou competitdoras. Bobagem, pois a natureza do ser humano é o desequilíbrio, o contraditório, o conflito, mesmo no ambiente das liberdades. Estas, alias, nunca são absolutas. Basta perceber os limites do próprio corpo, os limites biológicos, neurológicos, psíquicos. E também os limites morais, dos costumes. Não somos livres de modo absoluto, pois somos seres sociais. Nossa liberdade está condicionada pela liberdade do outro.

    No universo do poder político, a pretensão de uma plena liberdade reclamada pelas bigtechs se choca, primeiro, com a legislação do País e de sua tradição jurídica. Segundo, pela própria disputa do poder, pois nenhum poder é absoluto, mesmo o das corporações digitais ou capitalistas. Terceiro, porque uma bigtech não disputa com a soberania do Estado, sob o ônus do estado desaparecer como ente político. Ou seja, a natureza do estado é o poder maior, sem sujeição a uma corporação ou a um grupo de corporações capitalistas, sejam elas digitais ou mineradoras.

Campinas, 05 de maio de 2023 / Postado na página do FB.