A morte do Ivan Lessa cumpre o vaticínio do Millôr Fernandes, citado em crônica do próprio: "A ocasião em que a inteligência do homem mais cresce, sua bondade alcança limites insuspeitados e seu caráter uma pureza inimaginável é nas primeiras 24 horas depois de sua morte." Penso, porém, que Ivan Lessa não cabe aí. Ele não aceitaria tal petulância. Sérgio Augusto lembra, em crônica no inevitável viés necrológico n'O Estadão, o humor e o cinismo corrosivo de Ivan Lessa, carioca que decidiu morar em Londres. Acho isso um paradoxo. Carioca em Londres???!!! Ainda mais um jornalista que trabalhou no Pasquim e conviveu com os VIJ70, "Very Important Journalistas" da década de 70. O sarro (acho que não se diz mais essa palavra) e o escracho eram comuns nas redações da época. Lessa, Ziraldo, Tarso de Castro, Sérgio Augusto, Jaguar, Paulo Francis, Henfil (foi o patrono de minha formatura na Puc-Campinas), Lúcia Guimarães, Cora Ronai, Fausto Wolff, Ana Maria Bahiana, Tarik de Souza, entre outras feras, acentuaram e aperfeiçoaram sentimento político do espanhol no Brasil nas redações: hay gobierno, estoy contra.
Eu lia o Pasquim e via o Brasil à minha volta, com todo aquele aparato violento, num ambiente maniqueísta entre situação (governo militar) e oposição (todos os que que criticavam ou se opunham aos militares que pretendiam governar). Não há drama mais infantil (com perdão das crianças, que são inteligentes e seres muito melhores do que os agentes do Dops e Doi-Codi) do que suportar a mentalidade dicotômica, bipolar no campo ideológico-partidário. Ivan Lessa deixa um rastro formidável de senso crítico necessário em toda sociedade que pretende ser civilizada, sem desmerecer o humor e o cinismo, a ironia e a originalidade do pensamento que engrandecem o ser humano. Ivan Lessa carregou, é claro, defeitos como qualquer ser humano. Mas, tentou ser um pouco melhor do que muitos.