sábado, 9 de junho de 2012

Memória da ironia (rimou!)

A morte do Ivan Lessa cumpre o vaticínio do Millôr Fernandes, citado em crônica do próprio: "A ocasião em que a inteligência do homem mais cresce, sua bondade alcança limites insuspeitados e seu caráter uma pureza inimaginável é nas primeiras 24 horas depois de sua morte." Penso, porém, que Ivan Lessa não cabe aí. Ele não aceitaria tal petulância. Sérgio Augusto lembra, em crônica no inevitável viés necrológico n'O Estadão, o humor e o cinismo corrosivo de Ivan Lessa, carioca que decidiu morar em Londres. Acho isso um paradoxo. Carioca em Londres???!!! Ainda mais um jornalista que trabalhou no Pasquim e conviveu com os VIJ70, "Very Important Journalistas" da década de 70. O sarro (acho que não se diz mais essa palavra) e o escracho eram comuns nas redações da época. Lessa, Ziraldo, Tarso de Castro, Sérgio Augusto, Jaguar, Paulo Francis, Henfil (foi o patrono de minha formatura na Puc-Campinas), Lúcia Guimarães, Cora Ronai, Fausto Wolff, Ana Maria Bahiana, Tarik de Souza, entre outras feras, acentuaram e aperfeiçoaram sentimento político do espanhol no Brasil nas redações: hay gobierno, estoy contra.

Eu lia o Pasquim e via o Brasil à minha volta, com todo aquele aparato violento, num ambiente maniqueísta entre situação (governo militar) e oposição (todos os que que criticavam ou se opunham aos militares que pretendiam governar). Não há drama mais infantil (com perdão das crianças, que são inteligentes e seres muito melhores do que os agentes do Dops e Doi-Codi) do que suportar a mentalidade dicotômica, bipolar no campo ideológico-partidário. Ivan Lessa deixa um rastro formidável de senso crítico necessário em toda sociedade que pretende ser civilizada, sem desmerecer o humor e o cinismo, a ironia e a originalidade do pensamento que engrandecem o ser humano. Ivan Lessa carregou, é claro, defeitos como qualquer ser humano. Mas, tentou ser um pouco melhor do que muitos.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Transparência tardia e embaçada

O Correião (Popular) publicou no na edição do dia 05/06, terça-feira, reportagem, em tom laudatório,  sobre a decisão da Mesa Diretora da Câmara em divulgar os projetos, processos, atas e pareceres das comissões temáticas. Vem tarde essa decisão. É pouco, ainda. Seria interessante, por ex., que as reuniões das comissões temáticas fossem abertas e os votos declarados, vereador por vereador, com acompanhamento pela TV Câmara e Internet. Ainda há muita ação obscura, subterrânea no Legislativo. E não só em Campinas, mas de modo geral, no País. A Câmara de Campinas insiste em adotar o critério de sigilo para inúmeras reuniões deliberativas, sindicâncias e atos que mexem no processo legislativo e provocam efeitos na vida da cidade. É necessário filtrar quais decisões são tratadas como razão de alta política ou de Estado e quais são mera propaganda de quem detém o poder da Casa.
E mais: o tom apologético do Correião despreza o fato de que as atas e votos dos vereadores já são públicos, exteriorizados em sessões abertas e transmitidas via TV ou pela internet, quando funciona. Corporativa e anacrônica era a prática de restringir a publicidade das atas e votos,  como se a Casa não vivesse um regime constitucional democrático desde 1988.
Apesar do revestimento positivo dado à iniciativa do presidente do Legislativo, Thiago Ferrari, o Correio Popular investe demasiado na pauta, sem se atentar para a obviedade da decisão tardia, em meio à crise instalada na cidade com a cassação de dois prefeitos em menos de três meses, o Dr. Hélio (PDT) e o Demétrio Vilagra (PT). Assim, a Câmara apenas cumpre uma obrigação legal e política.
Ferrari enfrenta, assim, um hábito nada democrático da Casa, que sempre se caracterizou por guardar documentos relevantes para a cidade sob o carimbo do sigilo ou da restrição, um obstáculo para qualquer cidadão conhecer como eram paridos processos, pareceres e votos dos vereadores.
O conceito e a prática da transparência ou visibilidade dos atos dos poderes públicos no Brasil são temas muito recentes, ampliados na medida da democratização do sistema político. Os poderes públicos, mesmo após 1988, foram gradualmente adequando a máquina administrativa à nova Constituição. As iniciativas recentes do governo federal disseminam pelo País o critério e a regulação dos acessos às informações de interesse público. Mas, há muita resistência, ainda, entre os servidores, os burocratas e muitos políticos a esses avanços. Um outro exemplo simples em Campinas é a ausência da divulgação da agenda diária, detalhada, do prefeito Pedro Serafim Jr. e dos secretários municipais no portal da Prefeitura na internet. São conquistas graduais que impõem aprendizado e novas relações entre o cidadão e o governante. Por isso, a pressão da sociedade sobre os poderes governamentais deve ser constante e insistente, crítica e inexorável.