- A gente
guarda e acumula cada coisa!
A afirmação
parecia servir de justificativa. O amigo Daniel me dava um exemplar de um
livro, Enterrem meu coração na curva do
rio, obra do escritor e historiador norte-americano Dee (Dorris Alexander) Brown, que narra a grandeza e a integridade
dos povos indígenas daquele poderoso país. Povos que foram massacrados pelo
projeto de colonização ao longo dos séculos XVIII e XIX. O livro ampliou os sentidos da geração da
contracultura na década de 1970, pois arruinou os estereótipos promovidos pelo
cinema norte-americano sobre os indígenas. Nos filmes, os índios sempre eram os
bandidos. Os soldados da União, heróis.
O presente
veio acompanhado de outra explicação:
- Virei
minimalista. Agora, só fico com o que é essencial na minha casa. Por isso,
estou presenteando meus amigos.
Ao aceitá-lo,
levei para casa mais um exemplar de uma obra que ainda não havia lido.
Na semana
seguinte, Daniel me presenteava com uma caixa com dois cds. A justificativa era
a mesma. O minimalismo como razão para a amizade.
Na caixa, um
cd de Frank Zappa, o estonteante Shut Up
‘N Play Yer Guitar, e outro do politizado
The Clash, From Heart to Eternity, pancadaria ao vivo. Bem, não podia haver presente mais animador naquele fim de noite.
Mas, se tais
objetos se revelam importantes em momentos como esses, muito do que guardamos
nos vários locais de casa parece se perder com o tempo. São esquecidos na
memória do dia a dia. Quando voltamos a nos lembrar dessas coisas, muitas vezes
surge aquela palavrinha politicamente incorreta: bugiganga.
E como os
objetos declinam. Quando os adquirimos, são valiosos e úteis. Ao tempo, perdem
o status e se rebaixam.
Aliás,
bugiganga é uma palavra interessante. Os registros etimológicos datam do século
XVII. Tem origem espanhola. Bojiganga
designava grupos de atores mambembes, farsantes, que se apresentavam em
vilarejos de tempo em tempo. Passados alguns séculos, o significado adquiriu
outros tons. Hoje, é sinônimo de ninharia, quinquilharia, segundo um dos
patrões do nosso vernáculo, o Houaiss.
As
bugigangas, assim como os atores, os farsantes, ajudam a entender como nos
apegamos a coisas que o tempo demonstra o real valor ou desvalor. E assim, numa
sociedade na qual o ato de consumir se eleva quase ao sagrado, possuir coisas molda
um solene cenário farsesco. Mercadorias diversas entopem nossos olhos e ouvidos
por meio da publicidade, sem que nos atentemos sobre o valor atribuído a elas.
Daniel soube
preservar o valor, ao materializar um gesto de amizade nos presentes. Mesmo
antigos, para ele, esquecidos em algum lugar, mas lembrados num instante
minimalista.
Talvez, esses
gestos representem o contraponto ao quanto de mercadoria é empurrado pela
propaganda num mundo que se perde em meio a bugigangas. Ou seja, os farsantes
são outros, mais especializados e menos ingênuos do que aqueles atores
circenses de tempos atrás.