segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

A reforma picotada

Há algo estranho na ordem de votação das tais reformas pontuais (o ministro Eliseu Padilha disse que as reformas seriam sobre "tópicos") propostas pelo governo Temer. A última prevista seria a tributária. Primeiro a previdenciária, seguida da trabalhista. Por fim, a tributária e, como assinalou o Eliseu Padilha, também a política, como um ilusório oásis num deserto de boas intenções.

Nessa ordem querem ajustar as urgências, como o emprego e o discutível déficit previdenciário, para depois definirem o tamanho do estado e os mecanismos políticos. E vão tocar as "reformas pontuais" com a aceleração permitida por um congresso contaminado pelo fisiologismo, clientelismo e corrupção. E são os deputados e senadores gastões, sem preocupação com o dinheiro público, quem responderão pelos votos nas tais reformas picotadas. Para lembrar, no ano passado, os lídimos deputados gastaram cerca de R$ 200 milhões com verbas indenizatórias. Quase um quarto desse dinheiro foi destinado à propaganda.


A reforma tributária seria a mais estrutural de todas, no campo econômico. Definiria o limite da arrecadação frente ao PIB e, se for focada na produção e no equilíbrio da justiça tributária - o que não acredito -, estabeleceria o tamanho do Estado, o quanto os governos poderão arrecadar e gastar. Mas aí há um empecilho luciferiano: o números de servidores e benefícios incidentes sobre a remuneração de boa parte do segmento principesco estatal.

Ao pautar primeiro as reformas previdenciária e trabalhista, o governo Temer prioriza a responsabilidade dos trabalhadores e das classes menos favorecidas da população. Quando deixa a tributária lá para a frente, privilegia o estamento estatal, cioso das regalias remuneratórias e previdenciárias. Aliás, nesse quesito, até o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, assina artigo publicado n'O Estadão, edição de sábado, 4, para tratar da diferença do perfil dos militares em relação aos outros servidores no quesito previdência. Apesar do poder de fogo das Forças Armadas, argumento similar é encontrado entre servidores do Judiciário, da Receita etc.

Temer e companhia reafirmam, com toques de propaganda, a importância emergencial das reformas trabalhista e previdenciária para retomar o emprego e ajustar as contas do Estado no pagamento dos benefícios futuros. Sobre a tributária, quase nada ou pouco se sussurra. Da política, então, temos um indicativo, o Congresso quer aprovar projeto que retira do TSE o poder de punir os partidos pecadores, que não administram corretamente as contas eleitorais ou eleitoreiras.

Nessa pretensa lógica, há o indício de que, primeiro, o governo quer estancar o que classifica de gastos, onde pode e acha menos traumático para a sobrevivência política, ou seja, no segmento da população distante dos cargos públicos. Depois, então, adequar a reforma à economia que a sociedade faz para que o governo mantenha os atuais índices de arrecadação.

Aliás, no caminhar do andor (eita clichê esquecido), as reformas tributárias e políticas pouco dirão para a maioria da população. Mesmo que consigam avançar nessas discussões e votações, os congressistas as tratarão pelo enviesado interesse eleitoreiro e fisiológico, de modo a atender um governo manco na credibilidade.

Ah, sem esquecer que o governo petista poderia ter avançado na reforma tributária, política e previdenciária, mas encontrou várias justificativas para não fazê-lo. Entre elas, a resistência congressual; uma outra, a própria importância dos gastos com os servidores. Ou seja, o governo de coalização presidido pelo PT renunciou à liderança para enfrentar tais desafios. Enfim, essa ordem de discussão e votação das "reformas pontuais" é estratégia para o governo manter os elementos estruturais de privilégios intactos. As mudanças econômicas, como dizem no Planalto, são emergenciais. E reativas. Apenas isso.