As notícias
falsas ou fake news encontram-se no
centro das pautas jornalísticas e da preocupação do mundo político para
enfrentar 2018, ano de eleições. Desde o segundo semestre do ano passado, o
tema tomou conta de eventos, páginas de jornais, tempo dos telejornais e dos
programas em canais a cabo, debates ou comentários nas emissoras de rádio e
também no Congresso Nacional, que promoveu um seminário para abordar o assunto
no final de 2017.
O principal
desafio nesse cenário, além do descrédito dos possíveis candidatos e dos
partidos políticos, é o de enfrentar o tsunami de notícias falsas com barragens
legais e medidas técnicas que possam atenuar os efeitos.
Se as
notícias falsas constituem as formas gráficas ou imagéticas de informações
improcedentes, parcial ou integralmente, outro fator a agravar tais dispositivos
simbólicos é a pós-verdade ou o sentimento alimentado pela crença ou ideias
pessoais, individuais, com desprezo aos fatos objetivos. A dimensão subjetiva
de cada sujeito se torna fonte reprodutora e disseminadora de relatos
despregados dos fatos, mas satisfaz os desejos de que sejam “verdadeiros”.
Ocorre que, historicamente, os relatos imaginados ou fictícios sempre foram
recursos para controle social. Em especial nas mãos dos governantes.
No seminário
promovido pelo Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, em
dezembro último, o professor e pesquisador Marcelo Vitorino, ESPM-SP,
conceituou as fake news como “artigos
fictícios, que misturam acontecimentos ou fatos reais e componentes criados por
alguém, com o objetivo de confundir e estimular pessoas a replicarem o
conteúdo, para finalidade diversa.” É o ambiente social da mentira utilizada
por meio dos recursos digitais e cibernéticos para provocar efeitos diversos
pretendidos por alguém.
Cristina
Tardáguila, criadora e diretora da Agência Lupa, especializada na checagem de
informações e dados, afirmou em evento do TED, realizado em Petrópolis, RJ, em
novembro passado, que a mentira é expressão integrante do discurso político. A
jornalista coleciona centenas de casos nos quais a afirmação de políticos
geraram efeitos negativos no meio social, que recepciona informações sem
qualquer filtro crítico ou cuidado em checar a procedência do que foi dito.
Estudos
promovidos pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação
(Gpopai), da Universidade de São Paulo, divulgados em setembro do ano passado,
detectaram que cerca de 12 milhões de pessoas difundem notícias falsas sobre
política no Brasil. O grupo de pesquisadores acompanhou 500 páginas digitais
durante o mês de junho. Uma das constatações revela que o momento de
polarização político-partidária no País coincide com a explosão da criação das
notícias falsas. Isso é possível porque, também, os usuários das redes sociais
e agregadores de informações ou produzem informações breves e fragmentadas e ou
o público recepciona tais mensagens e as compartilham sem qualquer filtro
crítico.
Um dos dados
registrados nesse estudo feito durante um mês é que quase 15 milhões de
notícias falsas foram compartilhadas por pouco mais de três mil usuários,
enquanto que pouco mais de três milhões de notícias procedentes ou verdadeiras
foram compartilhadas por apenas 577 usuários. Ou seja, as fake news atingiram cinco vezes mais quantidade em relação às
notícias verdadeiras. No mundo das plataformas de mídia, das redes e dos
algoritmos, tais mensagens também se transformam em elementos econômicos, pois
geram riqueza para quem as produzem e disseminam, pois obtêm renda pelo número
de acesso e audiência. Ou seja, notícia falsa é mercadoria.
As notícias
falsas são relatos que integram o ambiente virtual no qual a pós-verdade é
valor do modelo comportamental estruturado na individualidade, na subjetividade
como referência de radicalidade a definir a relação do sujeito com o mundo.
Mas, são aspectos decorrentes de algo mais antigo, culturalmente entranhado nas
relações entre os indivíduos e as comunidades, o boato.
Em meados do
século passado, os boatos, também denominados de rumores, começaram a ser
sistematicamente estudados no campo da sociologia. Um dos trabalhos que servem
de apoio foi produzido pelo sociólogo Tamotsu Shibutani (1920/2004), que
publicou em 1966 a obra Improvised News:
A Sociological Study of Rumor, que vai influenciar vários pesquisadores
posteriormente. Nela, Shibutani, docente na Universidade da California, USA,
afirma que os boatos são “notícias improvisadas” que se disseminam em
discussões coletivas. Todos os boatos, a rigor, são gerados por acontecimentos
ambíguos, mas com relativa importância ou interesse.
Mais tarde, o
francês Jean-Noël Kapferer, especialistas em comunicação e marketing pela
Escolas de Altos Estudos Comerciais de Paris, publicou um dos trabalhos
referenciais sobre o boatos e sobre como eles afetam a imagem das organizações
e as marcas comerciais. A obra, Boatos: o mais antigo mídia do mundo, editada
em português pela Forense Universitária, em 1993, avança sobre o trabalho de
Shibutami, pois Kapferer constata que os boatos nem sempre nascem de
acontecimentos, mas muitos deles criam “fatos”. Assim, distingue os boatos
nascidos de acontecimentos e aqueles que são criados a partir do imaginário
social. Pois, a própria realidade, segundo o pesquisador francês, é plural e
resulta de consensos sociais.
As notícias
falsas, portanto, formatadas nos ambientes da web, são geradas numa
interlocução entre os usuários, os algoritmos, o imaginário e fragmentos das
realidades inspiradoras de relatos, sejam eles para o bem ou para o mal. Assim,
tanto os criadores das fake news,
valorados no ambiente da pós-verdade, como os usuários e o público cometem o
que Kapferer denomina de “crença projetiva”, na qual o sujeito nela simula as
emoções experimentadas. A expansão das plataformas digitais e a popularização
da web contribuem para tornar exponencial a atividade de criação, produção,
disseminação, consumo e compartilhamento das mensagens caracterizadas como
falsas ou boatos.
Esse é o
aparato que deve ser manipulado durante as eleições. Hackers, assessores, candidatos, partidos e outros sujeitos e
organizações estão desde já se debruçando sobre o universo da disputa eleitoral
para contaminar adversários com informações falsas. Do mesmo jeito, preparam as
munições digitais para enaltecer os candidatos, com discursos fantasiosos ou
com a tradicional propaganda político-eleitoral.
2018 vai ser
um ano no qual o brasileiro será chamado, intensamente, a conviver e a aprender
melhor a conhecer e a interpretar os conteúdos digitais e como são aplicados às
disputas eleitorais. Será uma oportunidade para melhor compreender e distinguir
o que é a ilusão ou o imaginário que atende aos desejos e às simulações
emocionais e o que se passa no dia a dia dos fatos políticos e eleitorais.
Grande desafio.
Artigo publicado na edição 179, fevereiro/março de 2018, do jornal da Puc Campinas.