terça-feira, 3 de abril de 2018

Eleições com notícias falsas: o desafio e o aprendizado do eleitor sobre as fake news.


As notícias falsas ou fake news encontram-se no centro das pautas jornalísticas e da preocupação do mundo político para enfrentar 2018, ano de eleições. Desde o segundo semestre do ano passado, o tema tomou conta de eventos, páginas de jornais, tempo dos telejornais e dos programas em canais a cabo, debates ou comentários nas emissoras de rádio e também no Congresso Nacional, que promoveu um seminário para abordar o assunto no final de 2017.

O principal desafio nesse cenário, além do descrédito dos possíveis candidatos e dos partidos políticos, é o de enfrentar o tsunami de notícias falsas com barragens legais e medidas técnicas que possam atenuar os efeitos.

Se as notícias falsas constituem as formas gráficas ou imagéticas de informações improcedentes, parcial ou integralmente, outro fator a agravar tais dispositivos simbólicos é a pós-verdade ou o sentimento alimentado pela crença ou ideias pessoais, individuais, com desprezo aos fatos objetivos. A dimensão subjetiva de cada sujeito se torna fonte reprodutora e disseminadora de relatos despregados dos fatos, mas satisfaz os desejos de que sejam “verdadeiros”. Ocorre que, historicamente, os relatos imaginados ou fictícios sempre foram recursos para controle social. Em especial nas mãos dos governantes.

No seminário promovido pelo Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, em dezembro último, o professor e pesquisador Marcelo Vitorino, ESPM-SP, conceituou as fake news como “artigos fictícios, que misturam acontecimentos ou fatos reais e componentes criados por alguém, com o objetivo de confundir e estimular pessoas a replicarem o conteúdo, para finalidade diversa.” É o ambiente social da mentira utilizada por meio dos recursos digitais e cibernéticos para provocar efeitos diversos pretendidos por alguém.

Cristina Tardáguila, criadora e diretora da Agência Lupa, especializada na checagem de informações e dados, afirmou em evento do TED, realizado em Petrópolis, RJ, em novembro passado, que a mentira é expressão integrante do discurso político. A jornalista coleciona centenas de casos nos quais a afirmação de políticos geraram efeitos negativos no meio social, que recepciona informações sem qualquer filtro crítico ou cuidado em checar a procedência do que foi dito.

Estudos promovidos pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai), da Universidade de São Paulo, divulgados em setembro do ano passado, detectaram que cerca de 12 milhões de pessoas difundem notícias falsas sobre política no Brasil. O grupo de pesquisadores acompanhou 500 páginas digitais durante o mês de junho. Uma das constatações revela que o momento de polarização político-partidária no País coincide com a explosão da criação das notícias falsas. Isso é possível porque, também, os usuários das redes sociais e agregadores de informações ou produzem informações breves e fragmentadas e ou o público recepciona tais mensagens e as compartilham sem qualquer filtro crítico.

Um dos dados registrados nesse estudo feito durante um mês é que quase 15 milhões de notícias falsas foram compartilhadas por pouco mais de três mil usuários, enquanto que pouco mais de três milhões de notícias procedentes ou verdadeiras foram compartilhadas por apenas 577 usuários. Ou seja, as fake news atingiram cinco vezes mais quantidade em relação às notícias verdadeiras. No mundo das plataformas de mídia, das redes e dos algoritmos, tais mensagens também se transformam em elementos econômicos, pois geram riqueza para quem as produzem e disseminam, pois obtêm renda pelo número de acesso e audiência. Ou seja, notícia falsa é mercadoria.

As notícias falsas são relatos que integram o ambiente virtual no qual a pós-verdade é valor do modelo comportamental estruturado na individualidade, na subjetividade como referência de radicalidade a definir a relação do sujeito com o mundo. Mas, são aspectos decorrentes de algo mais antigo, culturalmente entranhado nas relações entre os indivíduos e as comunidades, o boato.

Em meados do século passado, os boatos, também denominados de rumores, começaram a ser sistematicamente estudados no campo da sociologia. Um dos trabalhos que servem de apoio foi produzido pelo sociólogo Tamotsu Shibutani (1920/2004), que publicou em 1966 a obra Improvised News: A Sociological Study of Rumor, que vai influenciar vários pesquisadores posteriormente. Nela, Shibutani, docente na Universidade da California, USA, afirma que os boatos são “notícias improvisadas” que se disseminam em discussões coletivas. Todos os boatos, a rigor, são gerados por acontecimentos ambíguos, mas com relativa importância ou interesse.

Mais tarde, o francês Jean-Noël Kapferer, especialistas em comunicação e marketing pela Escolas de Altos Estudos Comerciais de Paris, publicou um dos trabalhos referenciais sobre o boatos e sobre como eles afetam a imagem das organizações e as marcas comerciais. A obra, Boatos: o mais antigo mídia do mundo, editada em português pela Forense Universitária, em 1993, avança sobre o trabalho de Shibutami, pois Kapferer constata que os boatos nem sempre nascem de acontecimentos, mas muitos deles criam “fatos”. Assim, distingue os boatos nascidos de acontecimentos e aqueles que são criados a partir do imaginário social. Pois, a própria realidade, segundo o pesquisador francês, é plural e resulta de consensos sociais.

As notícias falsas, portanto, formatadas nos ambientes da web, são geradas numa interlocução entre os usuários, os algoritmos, o imaginário e fragmentos das realidades inspiradoras de relatos, sejam eles para o bem ou para o mal. Assim, tanto os criadores das fake news, valorados no ambiente da pós-verdade, como os usuários e o público cometem o que Kapferer denomina de “crença projetiva”, na qual o sujeito nela simula as emoções experimentadas. A expansão das plataformas digitais e a popularização da web contribuem para tornar exponencial a atividade de criação, produção, disseminação, consumo e compartilhamento das mensagens caracterizadas como falsas ou boatos.

Esse é o aparato que deve ser manipulado durante as eleições. Hackers, assessores, candidatos, partidos e outros sujeitos e organizações estão desde já se debruçando sobre o universo da disputa eleitoral para contaminar adversários com informações falsas. Do mesmo jeito, preparam as munições digitais para enaltecer os candidatos, com discursos fantasiosos ou com a tradicional propaganda político-eleitoral.

2018 vai ser um ano no qual o brasileiro será chamado, intensamente, a conviver e a aprender melhor a conhecer e a interpretar os conteúdos digitais e como são aplicados às disputas eleitorais. Será uma oportunidade para melhor compreender e distinguir o que é a ilusão ou o imaginário que atende aos desejos e às simulações emocionais e o que se passa no dia a dia dos fatos políticos e eleitorais. Grande desafio.

Artigo publicado na edição 179, fevereiro/março de 2018, do jornal da Puc Campinas.