segunda-feira, 24 de julho de 2023

As big techs mineradoras de dados

 Até o início desse milênio, as multinacionais ou transnacionais eram as corporações empresariais que dominavam o sistema capitalista em nível planetário. Os governos eram reféns de várias delas, em especial da indústria das armas, aliadas das forças armadas em todo o continente. Hoje, as big techs ocupam um lugar exponencial na condução dos sistemas políticos e econômicos. Em duas décadas, essas organizações sustentadas pela www passaram a controlar e a condicionar o comportamento de consumo e o de organização social. Claro, o sistema político, sempre reativo, sucumbiu, com alguns segmentos críticos, minoritários, incapazes de, por enquanto, enfrentar o leviatã digital. Um indicativo desse poder é o lucro líquido, isso mesmo, líquido, do Google em 2022: US$ 59,9 bilhões. Isso representa cerca de R$ 300 bilhões, ou algo em torno de 17% da receita líquida prevista no orçamento deste ano para o governo federal. Ou seja, o poder econômico das bigtechs é inquestionável. Nas negociações sobre a votação do PL das fakenews, PL 2630/2020, a pressão sobre os parlamentares foi incontestável. A bancada evangélica foi a mais seduzida e, creio, por vários gestos de boa vontade, como é corriqueiro nos bastidores dos grandes negócios. 

    Um dos procedimentos estratégicos das big techs é o de estimular o comportamento repetitivo nas redes sociais. O usuário fica hipnotizado num looping interminável ao correr os dedos (digitus) sobre a tela do celular. A técnica é a dominação, pois sujeita o cérebro ao "prazer" instantâneo diante dos conteúdos de entretenimento, como o tiktok, reels, entre outros. 

    A combinação do poder econômico (além do google, há a amazon, a meta, entre tantos outros de menor poder) com o condicionamento comportamental resulta num cenário distópico, aparentemente normalizado pela rotina do uso dos celulares, por exemplo.

    Ao retirar o PL sobre a regulamentação das redes, Arthur Lira reagiu a dois fatores: o descontetamento de parte dos deputados com o governo atual e a pressão das big techs e segmentos da extrema-direita contra qualquer tipo de regulamentação. A alegação de que o PL é uma forma de censura é infantil, sofrível.

    Isso porque, a comunicação social sempre foi regulamentada. Mesmo nos países mais democráticos, como os EUA, Inglaterra, Canadá, Japão, entre outros. E a regulamentação procura exatamente esstabelecer um limite entre a livre expressão e a ofensa e o dano moral e social. Não há censura, prévia, mas sim a posterior. Ou seja, se alguém infringir a lei, a regulamentação, responderá pela ofensa praticada. Essa é a lógica da legislação brasileira num sistema democrático.

    As bigtechs pretendem, no Brasil, e, talvez, em outros países da América Latina, a ausência total de limites legais para a expressão dos conteúdos postados e disseminados. Baseiam-se numa corrente libertária que acredita num natural equilíbrio sistêmico do organismo social à medida que todos podem travar suas lutas expressivas, sem qualquer restrição, e atingir um uma justa relação entra as partes opositoras ou competitdoras. Bobagem, pois a natureza do ser humano é o desequilíbrio, o contraditório, o conflito, mesmo no ambiente das liberdades. Estas, alias, nunca são absolutas. Basta perceber os limites do próprio corpo, os limites biológicos, neurológicos, psíquicos. E também os limites morais, dos costumes. Não somos livres de modo absoluto, pois somos seres sociais. Nossa liberdade está condicionada pela liberdade do outro.

    No universo do poder político, a pretensão de uma plena liberdade reclamada pelas bigtechs se choca, primeiro, com a legislação do País e de sua tradição jurídica. Segundo, pela própria disputa do poder, pois nenhum poder é absoluto, mesmo o das corporações digitais ou capitalistas. Terceiro, porque uma bigtech não disputa com a soberania do Estado, sob o ônus do estado desaparecer como ente político. Ou seja, a natureza do estado é o poder maior, sem sujeição a uma corporação ou a um grupo de corporações capitalistas, sejam elas digitais ou mineradoras.

Campinas, 05 de maio de 2023 / Postado na página do FB.

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