terça-feira, 26 de setembro de 2023

 Ética do jornalista, da empresa e do estagiário

"... uma discussão ética que não toque na ética 

das empresas resulta numa conversa de 'porte e postura."

Eugênio Bucci


Estou na docência há 38 anos. Naveguei por mais de uma escola/universidade e por tantas salas de aulas. Os alunos/as são talentosos e a razão da academia. Vejo e vi durante todos esses anos jovens cujo olhar expressava a vontade, o desejo de interferir na vida da sociedade, na vida política, na vida econômica. Na vida. Mas vi, também, muitos empecilhos. Como a angústia de alunos/nas submetidos/as à pressão das empresas nas quais trabalham ou trabalhavam e que restringem ou restringiam a possibilidade de estudar. Ou seja, na lógica da produção, o estudante trabalhador ou estagiário tinha ou tem de priorizar o trabalho. O estudo...ora, apenas algo acessório. Vejo, assim, coordenadores e gerentes vestidos com a fantasia do chefe, do mandão a menosprezar o estudante. Isso parece aliviar o ego, a autoestima. E a empresa abusa do estagiário dando-lhe tarefas de produção que deveriam ser dadas a profissionais. Mas a lógica é a da exploração da mão de obra mais barata possível. E cobram do estagiário habilidades que ainda está processando, aprendendo.

Escrevo isso, talvez um desabafo tardio, para apontar a indigência e a farsa de inúmeras empresas, organizações ditas "empreendedoras" que, de fato, usam e abusam dos estagiários e jovens contratados, estudantes. Empresas ou organizações que investem na propaganda da marca ou do produto com argumentos humanistas, de respeito ao humano etc.

O discurso liberal ou neoliberal eleva as empresas ao status celestial. O autoelogio é predominante. O marketing não sobreviveria sem o autoelogio.

Há postagens, aqui no face, de demitidos exaltando a organização e até os chefes que os demitiram sob a frase feita do "novo desafio" ou de "uma etapa cumprida" e por aí a fora. Bobagem. Quem é demitido fica puto da vida. Toda demissão, desde que não negociada com vantagens, é uma afronta à autoestima. Mesmo que o sujeito tenha muito a oferecer, pois as empresas erram, e muito.

A hierarquia é perversa, na medida em que gerentes e coordenadores carregam sentimentos vis e autoritários. Muitos querem mostrar serviço aos diretores e não hesitam em foder subordinados. E estudantes, estagiários, são subordinados. Muitos são alvos do ressentimento e da volúpia dos chefes nem sempre avaliados pelos diretores ou superiores, os quais também apresentam delírios econômicos e são obsessivos com a obediência, de modo a oferecer a ideia e a conduta do mais realista do que o rei.

Ao longo da carreira acadêmica, inúmeros alunos desabafavam a angústia de ter de decidir entre finalizar alguma tarefa no estágio ou no trabalho e chegar em tempo para a aula. Alguns diziam que o trabalho era ou é fundamental. Mas, não diziam o mesmo sobre os estudos, sobre o curso.

Fico angustiado com toda essa situação. Fica evidente o quanto o estudo, a Universidade, é desprezado por muitos, numa repetição da ojeriza à ciência, à educação. Típico do brasileiro comum, que rejeita a ciência, o conhecimento sistêmico.

Hoje, tento dizer aos alunos quando afirmam "ter de trabalhar" que também têm de estudar, que o trabalho não é apenas subordinação, servidão ou subjugação. Se o trabalho não apresenta a possibilidade da liberdade, não é trabalho, mesmo numa organização hierárquica.

Impedir que um estudante estude, nos horários de estudos, de participação nas escolas, nas faculdades, é exteriorizar a tirania, a negação de que somos seres em busca do conhecimento. Acreditar que a empresa, ou organização, é a única bolha para aprender algo é um reducionismo cruel, negação do conhecimento plural.

Há, sim, empresas que investem na formação e na compreensão sobre a importância do aprendizado dos trabalhadores. Mas, são poucas. São aquelas que acreditam que o conhecimento é mais importante do que o cumprimento de uma tarefa, de modo a impedi-la de ultrapassar e invadir o horário dos estudos.


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